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À Lena Fuão tocou-lhe ser poeta, “de giz e palavra, de livro e voz”.

Bendito foi o dia em que ela decidiu enveredar por esse caminho e não mais deixou de lado o hábito. Das exigências da vida de professora, até chegar à mestra e à poeta, ouso dizer que, enfim, ei-la entregue à poesia em sua plenitude.

Neste seu quarto livro, Toda poesia é uma porta para o céu (Editora Voz de Mulher), que me cabe com alegria apresentar, o espaço das produções encurta (2012, 2017, 2020, 2022), se desdobra e se abre em uma espécie de convite a ultrapassar os limites sisudos da terra, descontraindo para lembrar que o lugar imortal é a vida no plano celestial. A poeta é solar, é da natureza, do vento e da chuva... É também da vida, da solidão e da morte. Para ela, “a melhor poesia do mundo/ é a que corta como navalha a carne de dentro”.

Ao mesmo tempo tocada pelo poder da lua, vai do frio ao calor, do claro ao escuro pelos dias da semana, do ano. O conjunto de instantes da singeleza do cotidiano está presente nesta coletânea; une-se à comida e à fome, ao tempo e à saudade, virando poemas, marcados, de acordo com a introdução de Carlos Alexandre Baumgarten em De labirintos e espirais, “pelo tom coloquial, como pode ser observado quando Lena assume sua condição de poeta..., ou quando afirma a crença na poesia como forma de resistência..., ou ainda ao surpreender na imagem do dia sua potência poética”.

Já na estreia em Sobre a pessoa e outros poemas (2012) desvela-se a força de seus versos, a vocação que se impõe pelo poder da criação. Assim como na fotografia, terreno que sabe atravessar muito bem, ou nos contos premiados (e os que estão a vir), a Lena soma artes, cenários, lugares, gentes e sonhos à procura de respostas para a mediocridade que nos cerca e desanima, da melhor palavra para dizê-la e exorcizá-la, na busca da versão mais perfeita. Nos versos dessa primeira coletânea, lembra que “há um pouco de lirismo na dor... /... só um pouco”, e que poesia não foi feita para matar, e pode fazer com que o sonho sobreviva.

A sabedoria da poeta é uma das formas mais elevadas em uma sociedade que amarga a impunidade do tempo parado, que não muda o vil destino, que precisa de tolerância, prudência, inovação. Por meio da palavra, dá-se a busca pela justiça, que não aceita as pressões das armas, o emparedamento na omissão. Ou então, como nos versos de Paulo Leminski, “todas as armas são boas: pedras, noite e poemas”. Bravos, pois, são os amantes do verso, das parcerias amorosas, apesar do fogo dos dragões armados, apesar do desânimo, do cansaço, apesar dos pesares, a dignidade da luta está na paciência e no entusiasmo de quem à poesia se dedica.

E eis então que “a poesia da vida nos aproxima de novo”, palavras da Lena na dedicatória de Lave a boca pra falar de poesia (2017), que renovam o sentido de minha caminhada acadêmica. É muito prazeroso relembrar que fomos – há mais de duas décadas! – protagonistas de uma história pós-graduanda inicial, que se estende hoje no doutoramento. Estar presente nessa transformação, introduzir esta quarta obra, remete à linda e bem embasada “cartinha” da Raquel Souza, na introdução da segunda coletânea, que diz: “o grande valor da poesia... representar as coisas da vida como se fosse a própria vida, estabelecendo no leitor o sentimento profundo de vivência, aprendizado e saber”.

Em Entra que tá chovendo (2020), terceiro livro, verso e prosa se misturam em passagens luminosas. A autora investe na metalinguagem para trabalhar com o universo das palavras, “revela a vida no entre momentos, no entre pensamentos, no entre reflexões com tanta verdade que desassossega”, escreve poeticamente Danilo Giroldo na orelha do livro. Talvez, mais do que entre, tenhamos na poesia da Lena alguma coisa nova, alguma coisa que começa.

“O mundo é [sua] casa”! Aqui o poder das palavras faz esvoaçar sentidos, carregando sua história e significados. Para a poeta, as palavras atravessam o tempo, passam pelos seres, modificando-se, guardando, no entanto, sua essência. Elas trazem uma conotação particular, uma beleza, um assombro, que às vezes nos intimida pelo que conotam de descrenças, dores, tragédias, ofensas, medos, e até mesmo pelos segredos que ocultam. “Trabalhando temas do cotidiano, Lena Fuão perpassa quase todas as emoções humanas, inserindo-se numa visão em que o triste – e, às vezes, o patético – mescla-se a um desenvolvido senso de humor” (Assis Brasil, quarta capa, 2012).

Econômica, divertida, irônica, valendo-se de um humor oblíquo e fino, eis sua última indagação em Toda poesia é uma porta para o céu, no fim do espaço em que se desdobram seus mais de quarenta poemas:e se um dia o livro acabar/ acabaremo-nos nós/ em poesia?/ ou viveremos pra sempre/ guardados na memória/ de quem nos leu um dia?”

Eis que à Lena tocou-lhe ser poeta, da arte que deita no papel, que escapa pelos poros da pele, que foge da ponta dos dedos. Meu desejo é que possa viver para sempre, “de mousse e poesia/ encostar na rede e saborear o doce”, em deliciosos sonetos e tempos de ócio.

Convido você, caríssima leitora, caríssimo leitor, a descobri-la em todas as suas palavras, onde ela faz bonito, faz beleza. E a ir além, a ler as próximas páginas. Que a poesia siga sendo feita por pessoas que devaneiam, que dizem o que não dizemos, ou não sabemos dizer, em nossas palavras diárias.

Boa leitura!

Toda poesia é uma porta para o céu

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